tenho muito medo de quebrar e/ou sumir minhas coisas, sempre acreditei que tenho um quê de destruição, que por onde passo, largo um pouco pior do que quando cheguei. a melhor sensação é a de poder jogar um frasco fora, pois sei que não perdi nem estraguei nada, que não gastei dinheiro e que cumpri o meu papel assim como o que estava dentro do frasco cumpriu o dele, sinto que a vida ganha algo de concreto. gosto quando tudo é real e certo. mas, de quando em quando parece que as coisas que me ancoram à vida são dissimulações. parece que, o que me importa são coisas que mais me deixam alerta e frustrada do que leve. guardo pedaços de fruta em diversos potes na geladeira porque prefiro comer um pouco de 3 frutas diferentes, como numa salada de frutas, do que uma inteira. a melhor sensação é a de achar os pedaços que guardei, cortá-las e colocar os potes pra lavar. às vezes acho que estou no caminho errado, e às vezes acho que não me movimento o suficiente. penso que não faço o suficiente, mas ultimamente difícil mesmo é achar que fazemos. tenho impulso de pedir pra inteligência artificial pensar e escrever por mim, e às vezes acho que sinto meu cérebro derreter. meus pensamentos me atravessam e me escapam antes de ter um contorno. nunca sei o que penso. às vezes, tenho desconexão até do que escrevo. a mudança é destino. todos os momentos tem o poder de transformação, exatamente como os 5 minutos antes de uma prova. gosto de observar as pessoas como se eu não existisse. não me enxergo bem, perco muito por me ser. amo olhar fotos antigas e lembrar que já existi, me lembra de que, mesmo que eu não sinta, estou viva. tenho medo de morrer quando não tiro fotos. como saberei que existi?


tenho muito medo de envelhecer, sempre me considerei uma existência breve, mas me provo insistente. gosto de chiclete, amo chiclete, mas não gosto de bala, acho a existência da bala, de uma maneira triste, finita demais. amo tanto que ler que frequentemente penso que o tempo que eu passo fazendo outras coisas seria um tempo de leitura útil. gosto de observar cachorros dormindo, principalmente se forem filhotes e estiverem dormindo no meu chinelo neste exato momento.
não gosto de comer fora de casa porque não gosto de decidir, apesar de admirar pessoas decididas. ser decidida é muito chique. “quero a salada com macarrão e frango desfiado, por favor". não como fora também porque é difícil alguma comida compensar a dor de estômago que terei. sinto muita dor, minha mãe já achou que fosse reumatismo. até pensei que fosse fibromialgia, mas talvez seja exagero e isso seja normal. gosto de pensar que minha cachorra é minha filha e que meu instinto materno sou eu decidindo colocar ela na minha cama ao invés de deixar ela dormir com meus pais porque percebi ela distante e magoada hoje. tenho muito medo de não ser profunda o suficiente. ainda durmo com meu pato de pelúcia que ganhei com 1 dia de vida e sinto que isso é absolutamente essencial.
tenho tantos interesses que tenho medo de ser apenas uma existência rasa. fico tão irritada com a vida que me torno grosseira, isso me deixa mais irritada ainda. minha tia-avó é um amor e quero ser parecida com ela. gosto de torrar no sol porque me sinto mais feliz à luz do dia. queria que minha voz fosse mais fina e suave, me acho muito séria. em alguns momentos, acho que não fui feita para trabalhar e queria passar a vida toda apenas estudando. não lembro tudo o que já estudei e isso me dói demais. como se chama quando a pessoa não se sente dona da própria vida? agora entrei numa pesquisa ininterrupta e cheguei em um vídeo sobre despersonalização e desrealização. tenho muito medo de pássaros, porém tenho uma obsessão vergonhosa e perigosa (quando estou dirigindo e as encontro) por araras, de qualquer cor, fazendo qualquer coisa. viva as palmeiras mortas da minha cidade onde elas gostam de fazer ninho! ver uma arara tem um poder de cura em mim como, quase, nenhuma outra coisa poderia. a caminho do trabalho, escolho sempre o que passarei por mais araras, há dias que vejo tantas que não consigo parar de sorrir mesmo em meio ao trânsito das 7:30h da manhã.



amo desenhar, mas só tenho feito colagens, o que amo muito também. meu celular está sempre sem memória, o que me impede de gravar os vídeos que queria gravar. gosto de bairros antigos, gosto da sensação, das ruas de tijolinhos, das árvores centenárias e das casas com grades, gosto também das portas que não são de vidro, mas de uma madeira bonita e cheia de cupim, gosto dos ladrilhos coloridos de quando as coisas eram menos sérias, gosto desses bairros e imaginar quantas pessoas passaram por ali e quantas resistiram à coerção da modernidade, gosto dos varais de corda e gosto dos telhados laranjas, gosto das varandas com uma cadeira de balanço e sinto que se eu tivesse uma, eu estaria mais conectada com minha falecida bisavó. não tenho certeza sobre qual é o meu estilo de roupas e acredito que isso me entristece.

não confio na cidade que vivo, acho ela muito nova, gosto de andar por cidades avelhantadas, quando sinto que cada passo que dou é um ensinamento. me comparo demais. recentemente descobri uma paixão por livros de bolso, sinto que se tem uma edição de bolso é um livro que, pra mim, vale a pena ser lido. penso que me arrependerei quando for mais velha de não ter aproveitado mais, creio que vivo tão suspensa, que não lembrarei das coisas que vivo. quero me lembrar dessa felicidade, mesmo que encoberta por uma irritação aguda, meio grave. tenho essa sensação constante de ânsia, nervosismo, ansiedade, por viver. não vou conseguir colocar tudo aqui nesse texto e, possivelmente, lerei ele e gostarei de ter acrescentado coisas que esqueci, mas que bom, significa que posso escrever mais. gosto de velas e gosto de fogo, principalmente se está frio. na primeira comunhão, vi um menino mostrar ao outro ele passar a mão na chama da vela que ele segurava, e todos segurávamos uma parecida, ele passou bem rápido e não se queimou, fiquei tão surpresa que lembro até hoje. será se me lembrarei de hoje? quero recordar do que vivo. queria que meu celular tivesse a memória que, infelizmente, me falta.
“Sou feita de tão pouca coisa e de tantas emoções que me sustento por um fio. Mas é um fio de ouro.” - Clarice Lispector, A Descoberta do Mundo